Como a Mudança Climática Aumenta o Risco de Doenças Transmitidas por Alimentos
O aumento da umidade e temperaturas mais altas, causados pela mudança climática, estão elevando o risco de doenças transmitidas por alimentos. Saiba como isso afeta os vegetais crus e as implicações para a saúde pública.
Lucas W.S.Sousa
9/9/20245 min read


Entenda como o aquecimento global está criando condições ideais para a proliferação de patógenos perigosos em produtos frescos, e os desafios que isso traz para a segurança alimentar.
A mudança climática está impactando diversas áreas da saúde, e uma delas é o aumento das doenças transmitidas por alimentos, especialmente associadas a produtos agrícolas crus. De acordo com um estudo recente da Sociedade Americana de Microbiologia (ASM), o aumento da umidade e temperaturas mais altas, resultado das mudanças climáticas, estão criando condições ideais para a proliferação de patógenos como a Salmonella enterica em produtos frescos, como a alface.
A Relação entre Salmonella e Alimentos Contaminados
A Salmonella enterica é uma bactéria que causa doenças transmitidas por alimentos em aproximadamente 1,2 milhão de pessoas nos Estados Unidos a cada ano. As infecções por Salmonella geralmente ocorrem por meio do consumo de alimentos contaminados, sendo os vegetais frescos uma das principais vias de infecção. Esses microrganismos patogênicos podem sobreviver em diversas plantas e permanecer no solo por longos períodos, o que aumenta os riscos de contaminação dos alimentos.
Plantas saudáveis podem, de certa forma, limitar a multiplicação de microrganismos, porém quando infectadas por fitopatógenos (organismos que causam doenças em plantas), essa defesa é comprometida. A pesquisa mostrou que a Salmonella pode se aproveitar das alterações ambientais provocadas por esses patógenos, o que aumenta sua persistência e capacidade de contaminação.
Impactos das Doenças de Plantas no Aumento de Salmonella
Um dos exemplos destacados pelo estudo é a mancha bacteriana nas folhas de alface, causada pela bactéria Xanthomonas hortorum pv. vitians. Essa doença de plantas é bastante comum na produção de folhas verdes e, em conjunto com condições de alta umidade, pode promover a proliferação de Salmonella. O estudo analisou como diferentes níveis de umidade e estágios de infecção por mancha bacteriana afetavam o crescimento e a sobrevivência da Salmonella nas plantas.
As descobertas sugerem que o momento em que a Salmonella entra em contato com a planta é crucial. Se a Salmonella for introduzida antes que a infecção por mancha bacteriana tenha avançado muito, a resposta imune da planta pode ser capaz de limitar o crescimento da bactéria. No entanto, se a Salmonella chega após a infecção da planta estar avançada, a própria doença vegetal pode limitar a proliferação do patógeno. Esse equilíbrio delicado entre a infecção da planta e a presença de Salmonella pode ser exacerbado pelas mudanças climáticas, que estão aumentando os períodos de alta umidade.
Mudança Climática e o Aumento da Umidade
A umidade elevada é um fator-chave para a sobrevivência da Salmonella em produtos frescos, como a alface. Durante o estudo, foi observado que a exposição prolongada a condições úmidas aumentava a capacidade da Salmonella de penetrar nas folhas e se proteger de fatores ambientais adversos, como a radiação ultravioleta (UV) e tratamentos de sanitização após a colheita.
Com a mudança climática, espera-se que os períodos de alta umidade se tornem mais frequentes, o que aumentará os riscos de contaminação dos alimentos. A Salmonella consegue se infiltrar no interior das folhas, onde fica protegida contra tratamentos de higienização, tornando os produtos contaminados mais difíceis de serem desinfetados. Dessa forma, os consumidores que ingerirem esses alimentos crus estarão mais expostos ao risco de infecção.
O Papel das Práticas Agrícolas
Além das mudanças climáticas, as práticas agrícolas modernas também influenciam a proliferação de patógenos. O uso de irrigação, por exemplo, pode espalhar a Salmonella através de respingos de água contaminada do solo para as folhas das plantas. A pesquisa simulou essa dispersão em condições laboratoriais, mostrando como gotículas de água carregando Salmonella podem ser dispersas nas superfícies das folhas, aumentando o risco de contaminação.
A combinação de umidade elevada, doenças de plantas e práticas agrícolas inadequadas pode criar um cenário perfeito para a propagação de patógenos como a Salmonella em produtos frescos. Isso exige uma atenção redobrada dos produtores e uma revisão das práticas de manejo e controle de doenças nas plantações.
Desafios para a Segurança Alimentar
A crescente incidência de doenças transmitidas por alimentos, exacerbada pelas mudanças climáticas, representa um desafio significativo para a segurança alimentar global. Produtos frescos, como folhas verdes, são amplamente consumidos em dietas saudáveis e têm uma demanda crescente devido à busca por alimentos mais naturais e nutritivos. No entanto, a contaminação por patógenos pode minar os benefícios de uma alimentação saudável, se não forem adotadas medidas eficazes para reduzir os riscos.
A segurança alimentar envolve desde a produção agrícola até o consumo final. O controle de doenças de plantas, como a mancha bacteriana, deve ser visto não apenas como uma medida para proteger as safras, mas também como uma ação crucial para evitar a contaminação por patógenos humanos. Isso é especialmente importante em um contexto de mudanças climáticas, onde os eventos climáticos extremos, como inundações e secas, podem impactar ainda mais a qualidade e a segurança dos alimentos.
Soluções e Medidas de Prevenção
Diante desse cenário, a prevenção de contaminações por Salmonella e outros patógenos requer uma abordagem multifacetada. Primeiramente, é necessário adotar práticas agrícolas sustentáveis que reduzam a proliferação de doenças nas plantas e limitem a exposição dos alimentos a condições que favoreçam a contaminação. Isso inclui o controle rigoroso das fontes de água usadas na irrigação e a adoção de tecnologias que minimizem a transferência de patógenos para os alimentos.
Em segundo lugar, é essencial que os consumidores estejam cientes dos riscos e adotem práticas adequadas de higienização e preparo dos alimentos em casa. Lavar bem os vegetais frescos antes do consumo e, quando possível, cozinhar alimentos que possam ter sido expostos a contaminações são medidas importantes para reduzir o risco de doenças.
Além disso, avanços na pesquisa científica podem trazer novas soluções para o problema. Métodos de sanitização mais eficazes que consigam alcançar patógenos no interior das folhas, por exemplo, podem ser uma inovação essencial para garantir a segurança dos alimentos. Pesquisas adicionais sobre como as mudanças climáticas estão afetando a proliferação de patógenos agrícolas também são necessárias para desenvolver estratégias mais eficazes de mitigação.
Conclusão
O impacto das mudanças climáticas na segurança alimentar é um desafio que requer atenção urgente. A proliferação de patógenos como a Salmonella enterica em alimentos frescos, como alface, está diretamente ligada ao aumento da umidade e às práticas agrícolas que favorecem a contaminação. Para garantir que o consumo de alimentos frescos continue a ser uma opção saudável e segura, é fundamental que governos, agricultores e consumidores trabalhem juntos para adotar medidas que reduzam esses riscos, especialmente em um mundo cada vez mais impactado pelas mudanças climáticas.
Referência: AMERICAN SOCIETY FOR MICROBIOLOGY. Climate Change Increases Foodborne Illness Risk From Raw Produce. Disponível em: https://asm.org/Press-Releases/2024/August/Climate-Change-Increases-Food-borne-Illness-Risk-F. Acesso em: 5 set. 2024.


Lucas W. S. de Sousa, Biomédico Microbiologista editor e idealizador da página Microbiologia Clínica Brasil.