Descoberta surpreendente: Fungos dominam o ambiente mesopelágico dos oceanos

Um recente estudo internacional, publicado na revista Frontiers in Science, desvendou um panorama inédito do ambiente mesopelágico marinho, revelando a fascinante prevalência dos fungos nesse ecossistema pouco explorado.

Lucas W.S.Sousa

1/17/20244 min read

Exploração do genoma oceânico revela o domínio dos fungos no ambiente mesopelágico

Um amplo estudo internacional recentemente publicado na revista Frontiers in Science analisou 2102 metagenomas provenientes de amostras dos oceanos, gerando o maior catálogo aberto de genes oceânicos até o momento. A análise inédita revelou que os fungos representam mais da metade dos genes distintos identificados no ambiente mesopelágico marinho, entre 200 e 1000 metros de profundidade.


O estudo utilizou a Plataforma de Análise Metagenômica da KAUST (KMAP) para processar e anotar funcionalmente os metagenomas, resultando no Catálogo Global de Genes Oceânicos KMAP 1.0. Este catálogo contém um total de 317,5 milhões de clusters gênicos, dos quais 164,8 milhões (51,9%) receberam anotação taxonômica e funcional.


Globalmente, o catálogo é dominado por genes bacterianos (78,3%), seguidos por eucariontes (12,2%), arqueas (6,1%) e vírus de DNA (3,5%). Entretanto, a análise por habitat revelou diferenças drásticas na composição gênica entre diferentes zonas de profundidade e ambientes pelágicos e bentônicos.


De forma surpreendente, os fungos representaram 56,7% dos genes distintos identificados no ambiente mesopelágico, entre 200 e 1000 metros de profundidade, suplantando thus outros grupos de microrganismos. Este achado ressalta o papel predominante e ainda pouco conhecido dos fungos na trama microbiana e nos ciclos biogeoquímicos desse extenso habitat oceânico intermediário.


Em contraste, os metazoários foram dominantes na zona eufótica (0 a 200 metros), representando 43,5% dos genes de eucariontes nesta zona. Os filos Metazoa e Chlorophyta prevaleceram, respectivamente, no ambiente abissal (>1000 metros) e nos sedimentos marinhos amostrados.

As diferenças taxonômicas entre habitats refletem adaptações aos gradientes verticais de luz, pressão, temperatura e recursos. Elas também sugerem a existência de um grande reservatório de diversidade genética ainda não explorado, especialmente em ambientes profundos e bentônicos.


Do ponto de vista funcional, vias metabólicas relacionadas à oxidação de monóxido de carbono e ao uso de acetato foram prevalentes globalmente, envolvendo principalmente bactérias e arqueas. A redução assimilatória de sulfato também se destacou na zona eufótica. O ambiente bentônico exibiu mais genes associados a vias alternativas de fixação de carbono.


O estudo demonstra o imenso potencial da metagenômica para revelar as bases taxonômicas e funcionais da vida microbiana nos oceanos, integrando diversidade e função. Entretanto, os autores enfatizam que ambientes profundos e bentônicos permanecem drasticamente subamostrados.


Considerando que esses habitats abrigam mais da metade do volume e da área de superfície oceânicos, a falta de amostragem representa uma grande lacuna no nosso conhecimento da diversidade marinha. Além disso, correm risco crescente devido às mudanças climáticas e à poluição por plásticos e outros contaminantes.


Portanto, são necessários grandes esforços adicionais direcionados ao estudo metagenômico desses ambientes, a fim de revelar seu imenso potencial para abrigar genes ainda desconhecidos. Isso também é crucial para entender e preservar a integridade e funcionamento desses ecossistemas vitais frente às ameaças antropogênicas crescentes.


Avanços em sequenciamento e bioinformática têm expandido rapidamente nossa capacidade de explorar a diversidade microbiana nos oceanos. Entretanto, os autores destacam a necessidade de mais investimentos em capacidade computacional para analisar os massivos conjuntos de dados metagenômicos. Também é preciso desenvolver estruturas equitativas de propriedade intelectual para impulsionar a exploração sustentável do inestimável patrimônio genético oceânico.


O estudo representa um marco seminal no mapeamento taxonômico e funcional do genoma marinho global. A pesquisa metagenômica expande dramaticamente nosso conhecimento da biodiversidade oceânica, lançando luz sobre a intrincada teia da vida microbiana que sustenta todos os ecossistemas e ciclos biogeoquímicos nos oceanos. Os insights obtidos alliam compreensão ecológica com aplicações biomédicas, alimentares e energéticas, beneficiando a sociedade e o planeta.


Lucas W. S. de Sousa, Biomédico Microbiologista editor e idealizador da página Microbiologia Clínica Brasil.

Referência: (1) Laiolo, E. et al. (2024). Metagenomic probing toward an atlas of the taxonomic and metabolic foundations of the global ocean genome. Frontiers in Science, 1, 1038696. https://doi.org/10.3389/fsci.2023.1038696