Mudanças na Estrutura Genética do Sorotipo 19A de Streptococcus pneumoniae após a Introdução da Vacina Pneumocócica 10-Valente no Brasil
O impacto das vacinas conjugadas contra Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é um dos marcos mais relevantes na saúde pública. No Brasil, a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente (PCV10) em 2010 resultou em uma redução significativa de doenças pneumocócicas invasivas (DPI) causadas pelos sorotipos incluídos na vacina.
Lucas W.S.Sousa
12/19/20243 min read


Vacina Pneumocócica 10-Valente: Impactos no Sorotipo 19A e Resistência Antimicrobiana
O impacto das vacinas conjugadas contra Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é um dos marcos mais relevantes na saúde pública. No Brasil, a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente (PCV10) em 2010 resultou em uma redução significativa de doenças pneumocócicas invasivas (DPI) causadas pelos sorotipos incluídos na vacina. Contudo, como observado globalmente, o fenômeno de substituição de sorotipos levou ao aumento da prevalência de sorotipos não cobertos pela vacina, como o 19A. Este artigo explora as mudanças na estrutura genética e nos perfis de resistência antimicrobiana desse sorotipo após a ampla adoção da PCV10 no Brasil.
Contexto e Importância da PCV10
A vacina PCV10, distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), protege contra 10 sorotipos de pneumococo: 1, 4, 5, 6B, 7F, 9V, 14, 18C, 19F e 23F. A imunização infantil universal reduziu drasticamente a incidência de DPI em crianças menores de 5 anos, de 2,48 casos por 100 mil habitantes em 2008 para 0,38 em 2018. Apesar disso, o sorotipo 19A emergiu como a principal causa de DPI no país, associado à resistência antimicrobiana.
O sorotipo 19A está incluído na PCV13, introduzida na rede privada brasileira em 2010 e posteriormente incorporada ao SUS em 2019 para grupos de risco. No entanto, a cobertura da PCV13 permanece inferior a 10%, em contraste com os 80% de cobertura da PCV10.
O Estudo e a Metodologia
Pesquisadores analisaram 32 isolados de S. pneumoniae do sorotipo 19A coletados no estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2023. Esses isolados foram recuperados de crianças e adultos atendidos em unidades de saúde públicas e privadas, abrangendo tanto casos de colonização quanto de DPI.
Técnicas Utilizadas
Sorotipagem: Determinação dos tipos capsulares por PCR multiplex e sequenciamento do gene cpsB.
Testes de Suscetibilidade Antimicrobiana: Avaliação da resistência a dez agentes antimicrobianos, incluindo penicilina, eritromicina e ceftriaxona, utilizando métodos de difusão em disco e E-test®.
Tipagem Molecular: Análise de multilocus sequence typing (MLST) para identificar linhagens genéticas.
Principais Resultados
Distribuição dos Isolados
Dos 32 isolados, 90,6% foram recuperados de crianças com menos de 5 anos e 40,6% estavam associados a DPI. O restante foi relacionado à colonização nasofaríngea.
Resistência Antimicrobiana
68,8% dos isolados eram multidroga-resistentes (MDR).
As maiores frequências de não suscetibilidade foram observadas para sulfametoxazol-trimetoprima (93,8%), penicilina (75%) e eritromicina (71,9%).
Concentrações inibitórias mínimas (MIC) para penicilina variaram de 0,12 a 8 µg/mL, refletindo uma ampla variação nos níveis de resistência.
Mudanças Genéticas
A tipagem molecular revelou sete tipos de sequência (STs), com destaque para:
CC320: Representando 78,1% dos isolados, esse complexo clonal foi predominante no período pós-PCV10. Ele está fortemente associado à resistência a múltiplas drogas.
ST733: Identificado principalmente no período pré-PCV10, esse ST mostrou-se suscetível a penicilina, refletindo um perfil menos resistente.
Discussão e Implicações Clínicas
Impacto da Vacinação Universal
O estudo demonstrou que a vacinação universal com PCV10 alterou significativamente a estrutura genética populacional de S. pneumoniae. A substituição de sorotipos levou ao declínio de linhagens mais suscetíveis (como ST733) e ao aumento de clones MDR (como CC320). Esse fenômeno é consistente com dados internacionais, onde o CC320 tem sido relacionado a surtos de DPI e resistência.
Desafios na Resistência Antimicrobiana
A resistência crescente à penicilina e a outros antimicrobianos limita as opções terapêuticas. Isolados MDR, como os do CC320, representam um desafio para o tratamento de DPI, especialmente em populações vulneráveis.
Estratégias Futuras
Para mitigar os impactos do sorotipo 19A, é essencial considerar:
Atualização das Vacinas: A inclusão de vacinas como a PCV15 e a PCV20, que cobrem o sorotipo 19A, pode ser uma solução eficaz.
Monitoramento Contínuo: A vigilância epidemiológica é crucial para identificar mudanças na dinâmica dos sorotipos e ajustar as políticas de vacinação.
Uso Racional de Antimicrobianos: Reduzir o uso indiscriminado de antibóticos é fundamental para conter a resistência.
Conclusão
O estudo destacou o impacto significativo da vacinação universal na dinâmica populacional de S. pneumoniae. Embora a PCV10 tenha reduzido substancialmente a carga de DPI, o surgimento do sorotipo 19A como principal agente de infecções pneumocócicas invasivas reflete a necessidade de atualizar as estratégias de imunização. A expansão de vacinas que incluem o sorotipo 19A, aliada a um monitoramento robusto e ao uso racional de antimicrobianos, é essencial para controlar a resistência e proteger as populações vulneráveis.
Fonte: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0264410X24012702
Lucas W.S de Sousa, Biomédico Microbiologista editor e idealizador da página Microbiologia Clínica Brasil.

