O Sarampo e seus Impactos na Memória do Sistema Imunológico
Descubra como o sarampo causa amnésia imunológica, apagando a memória do sistema imunológico e aumentando o risco de infecções secundárias fatais. Entenda esse mecanismo único do vírus e a importância da vacinação para prevenir essa complicação e manter a imunidade coletiva.
Lucas W.S.Sousa
2/15/20245 min read


Como o sarampo apaga a memória imunológica e aumenta o risco de infecções fatais
O sarampo é uma doença viral altamente contagiosa causada pelo vírus do sarampo, um agente patogênico que infecta exclusivamente seres humanos. Este vírus é transmitido pelo ar através de gotículas expelidas pela tosse e espirros de indivíduos infectados. Embora os sintomas iniciais, como febre, tosse, coriza e manchas vermelhas na pele, sejam geralmente leves, as complicações do sarampo podem ser graves e até fatais.
Uma característica única e extremamente perigosa da infecção pelo vírus do sarampo é sua capacidade de causar uma condição conhecida como amnésia imunológica. Isso ocorre porque o vírus tem a habilidade de destruir a memória imunológica pré-existente do hospedeiro e substituir as células de defesa treinadas por novas células inocentes.
O resultado é uma reinicialização temporária do sistema imune, deixando a pessoa vulnerável a uma variedade de infecções secundárias até que a função imunológica seja restaurada. A compreensão de como isso ocorre, por quanto tempo dura e como pode ser prevenido é fundamental para mitigar os riscos desta doença viral tão contagiosa.


Sintoma clássico causado pelo vírus do Sarampo.
Como o Vírus do Sarampo Causa Amnésia Imunológica?
Quando o vírus do sarampo entra no trato respiratório, ele infecta primeiro os macrófagos alveolares nos pulmões. Esses macrófagos possuem moléculas receptoras chamadas SLAM, pelas quais o vírus se liga para entrar nas células. Em vez de serem destruídos, os vírus dentro dos macrófagos são transportados para os gânglios linfáticos.
Nos gânglios linfáticos, o vírus do sarampo encontra e infecta os linfócitos B e T de memória, cruciais para a imunidade adaptativa. Essas são células treinadas do sistema imune que guardam a “memória” de infecções passadas, permitindo uma resposta imune mais rápida e robusta ao reencontrar um patógeno específico.
Os linfócitos B e T de memória também possuem receptores SLAM, permitindo que o vírus do sarampo invada essas células especializadas. À medida que o vírus se dissemina, os linfócitos infectados são destruídos pelo sistema imune do hospedeiro para conter a infecção.
Infelizmente, isso resulta na eliminação das células de memória imunológica, juntamente com seus patógenos residentes. Estudos mostram que os níveis de linfócitos B e T despencam acentuadamente durante a fase aguda da infecção pelo sarampo.
Quando a infecção é controlada e os níveis de linfócitos se recuperam, as novas células são diferentes. Elas têm memória apenas para o vírus do sarampo, não para os outros patógenos previamente encontrados. Assim, a memória imunológica pré-existente é efetivamente apagada.
Duração da Amnésia Imunológica Induzida pelo Sarampo
Pesquisadores desenvolveram modelos estatísticos para estimar o tempo necessário para restaurar a memória imunológica depois que esta é resetada pelo vírus do sarampo.
Analisando dados históricos de mortalidade infantil de países como Estados Unidos, Reino Unido e Dinamarca, antes e depois da vacina contra o sarampo, estima-se que cerca de metade das mortes infantis por doenças infecciosas poderiam estar relacionadas aos efeitos imunossupressores do sarampo quando ele era endêmico.
O tempo médio calculado para a duração da amnésia imunológica pós-sarampo é de aproximadamente 27 meses. Pesquisas indicam que até 5 anos podem ser necessários para que uma criança recupere totalmente a função imunológica esperada para a idade após a infecção.
Portanto, contrair sarampo na infância é como reiniciar o sistema imune para o estado de um recém-nascido. Todas as exposições anteriores a agentes patogênicos precisam acontecer novamente para reconstruir memórias de longo prazo.
Prevenindo a Amnésia Imunológica com a Vacina contra o Sarampo
A vacina contra o sarampo é altamente eficaz na prevenção da infecção e seus efeitos deletérios no sistema imune. Após duas doses, mais de 97% das pessoas desenvolvem imunidade protetora contra o vírus.
Desde a implementação de programas abrangentes de imunização nos anos 60 e 70, os casos de sarampo diminuíram drasticamente em mais de 99% nos países desenvolvidos. Isso também reduziu o risco de amnésia imunológica e infecções oportunistas relacionadas.
Infelizmente, surtos ainda ocorrem periodicamente em comunidades com baixas taxas de vacinação. Em 2019, os Estados Unidos registraram mais de 1000 novos casos, o maior número em décadas. A maioria dos pacientes não havia sido vacinada.
Portanto, manter altas taxas de cobertura vacinal contra o sarampo é crucial para preservar a memória imunológica da população e prevenir complicações graves e mortes evitáveis, especialmente em crianças pequenas.
Além disso, a vigilância epidemiológica contínua e o rastreamento rigoroso de contatos são essenciais para detectar e conter surtos rapidamente, impedindo a disseminação do vírus e seus efeitos imunossupressores.
Conclusão
O sarampo é mais do que uma doença infantil benigna. Sua capacidade única de causar amnésia imunológica e redefinir o sistema imune traz riscos significativos de infecções secundárias fatais.
Compreender este mecanismo permitiu aos cientistas estimar a duração da vulnerabilidade imunológica e enfatizar a importância crítica da vacinação para prevenir essa complicação insidiosa.
Manter altos níveis de imunidade coletiva por meio de programas universalizados de vacinação é a melhor proteção contra o sarampo e suas consequências deletérias, que podem persistir silenciosamente por anos após a infecção inicial.


Morbillivirus(Vírus do Sarampo) é um género de vírus com invólucro de ARN de cadeia simples e polaridade negativa pertencente à família de vírus Paramyxoviridae e à ordem Mononegavirales.
Lucas W. S. de Sousa, Biomédico Microbiologista editor e idealizador da página Microbiologia Clínica Brasil.

