Pesquisadores do Butantan avançam no desenvolvimento de vacina contra esquistossomose
Pesquisa do Instituto Butantan utilizou abordagem inovadora de phage display para isolar antígenos protetores do Schistosoma mansoni. Os candidatos vacinais conferiram proteção contra o parasita causador da esquistossomose em ensaios com camundongos, representando um avanço promissor na busca por uma vacina preventiva contra essa doença negligenciada que afeta mais de 200 milhões de pessoas globalmente.
Lucas W.S.Sousa
2/2/20244 min read


Novos candidatos vacinais identificados com técnica de phage display geraram proteção em testes pré-clínicos
Pesquisadores do renomado Instituto Butantan, em São Paulo, anunciaram recentemente um importante avanço na busca por uma vacina contra a esquistossomose, doença parasitária que afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo. Utilizando uma técnica inovadora chamada phage display, os cientistas conseguiram identificar novos candidatos vacinais capazes de gerar proteção em camundongos infectados pelo Schistosoma mansoni, verme causador da esquistossomose.
A descoberta representa uma esperança concreta para o desenvolvimento de uma vacina preventiva contra essa parasitose negligenciada, para a qual ainda não existe imunização disponível. Atualmente, a esquistossomose é controlada apenas com medicamentos, porém as opções são limitadas e já surgem relatos de resistência do parasita ao fármaco mais utilizado.


Ciclo de vida do Schistosoma mansoni.
Até o momento, não existe uma vacina preventiva contra a esquistossomose. As tentativas desde a década de 1970 se mostraram malsucedidas. A imunização é considerada a melhor estratégia para controlar a doença, mas encontra desafios como a complexidade do ciclo de vida do parasita e a dificuldade em isolar seus antígenos mais adequados.


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 mil pessoas morrem anualmente devido às complicações da esquistossomose, também conhecida popularmente no Brasil como "barriga d'água" ou "doença dos caramujos". Ela é transmitida através da pele durante o contato com água contaminada com larvas do verme, liberadas por caramujos infectados, seus hospedeiros intermediários.
Os sintomas incluem coceira, febre, cansaço, dor abdominal e diarreia. Nos casos mais graves, pode levar a problemas no fígado, rins e intestinos. Crianças infectadas pela parasitose crônica sofrem de desnutrição e anemia, prejudicando o desenvolvimento físico e cognitivo.
O estudo do Butantan representa um avanço crucial para superar essas barreiras. A pesquisa, publicada na renomada revista científica npj Vaccines, foi liderada pelo Laboratório de Ciclo Celular do instituto, sob coordenação do Dr. Murilo Sena Amaral.
Os pesquisadores se basearam em um trabalho prévio, que demonstrou que macacos rhesus infectados pelo S. mansoni eram capazes de se curar espontaneamente e desenvolver resistência a novas infecções. Nessa fase, os pesquisadores coletaram amostras de plasma desses primatas curados.
Em seguida, utilizaram a técnica de phage display para identificar quais proteínas do parasita estavam sendo reconhecidas pelos anticorpos presentes nesse plasma. O phage display permite criar bibliotecas contendo trechos de proteínas (peptídeos) e isolá-los quando eles se ligam a anticorpos específicos.
Os cientistas produziram milhões de fagos, vírus que infectam bactérias, contendo peptídeos que representavam todas as cerca de 12 mil proteínas conhecidas do S. mansoni. Ao incubá-los com o plasma dos macacos resistentes à reinfecção, isolaram os fagos cujos peptídeos se ligaram aos anticorpos.
A análise permitiu identificar seis proteínas do parasita que despertaram resposta imune protetora nesses primatas curados. Peptídeos correspondentes a essas proteínas foram então combinados para compor os candidatos a uma futura vacina.
Em testes com camundongos, os candidatos vacinais geraram 25% de proteção contra a infecção pelo S. mansoni. Agora, os cientistas trabalham para otimizar a formulação e aumentar a eficácia. Os próximos passos envolvem testes em macacos e camundongos com novas composições adjuvantes.


Sergio Verjovski-Almeida, liderança científica do Butantan, e Murilo Senal Amaral, pesquisador do Laboratório de Ciclo Celular.
De acordo com o Dr. Murilo, o uso do phage display para estudar a esquistossomose foi inédito e abre caminho para que a técnica também seja aplicada no desenvolvimento de vacinas contra outras doenças tropicais negligenciadas. A abordagem permite analisar em larga escala os antígenos mais relevantes para a proteção imune.
Os pesquisadores ressaltam que uma vacina é ferramenta crucial no combate à esquistossomose, ao lado do tratamento medicamentoso e das melhorias sanitárias. Atualmente, existe somente uma droga disponível, o praziquantel, e já foram observados indícios de resistência do parasita ao fármaco.
Além disso, a mudança climática e os fluxos migratórios têm levado a doença a ressurgir em áreas fora dos trópicos, como a ilha da Córsega, na França. Nesse cenário, dispor de uma imunização preventiva é ainda mais importante.
Os resultados obtidos pelos cientistas do Butantan representam um avanço promissor após décadas de tentativas frustradas de desenvolver uma vacina para a esquistossomose. Eles inauguram uma nova fase, na qual o conhecimento do genoma do parasita aliado a tecnologias como o phage display finalmente permitem identificar antígenos protetores de maneira racional e em larga escala.
Resta agora otimizar a formulação vacinal e realizar os ensaios clínicos necessários para comprovar segurança e eficácia da imunização em humanos. Porém, a esperança de que em um futuro próximo haja uma alternativa preventiva para controlar a esquistossomose parece mais concreta do que nunca.
Uma vacina acessível tem o potencial de evitar milhares de mortes e melhorar a qualidade de vida de populações vulneráveis no Brasil e ao redor do mundo. Os cientistas do Butantan mais uma vez honram a história centenária do instituto, colocando a ciência a serviço da saúde pública global ao abrir novos caminhos no combate a doenças negligenciadas que assolam países em desenvolvimento.


Lucas W. S. de Sousa, Biomédico Microbiologista editor e idealizador da página Microbiologia Clínica Brasil.