Vacina do Butantan contra dengue demonstra eficácia de 79,6% em ensaios clínicos

Pesquisa do Butantan revela que sua vacina experimental contra a dengue, feita com os quatro vírus atenuados, evitou a doença em 79,6% dos 16 mil participantes vacinados durante dois anos de acompanhamento. Os resultados do ensaio clínico fase 3 publicados na prestigiosa revista NEJM são promissores para que o imunizante seja em breve aprovado e incorporado no Brasil.

Lucas W.S.Sousa

2/2/20245 min read

Imunizante desenvolvido pelo Instituto Paulista protegeu vacinados ao longo de dois anos em estudo publicado no renomado New England Journal of Medicine

O Instituto Butantan acaba de publicar resultados muito promissores sobre a eficácia da sua candidata a vacina contra a dengue. O estudo, veiculado na prestigiada revista New England Journal of Medicine, atesta que o imunizante foi capaz de proteger 79,6% dos vacinados contra a doença ao longo de dois anos de acompanhamento.

Trata-se de um marco crucial no desenvolvimento dessa vacina nacional, que utiliza uma tecnologia inovadora com os quatro vírus da dengue atenuados. Os dados robustos de fase 3 apresentados devem facilitar agora a aprovação e incorporação da vacina no Programa Nacional de Imunizações do Brasil, permitindo enfrentar de modo mais efetivo a circulação crescente do vírus no país.

Somente em 2023, foram notificados 1,6 milhões de casos prováveis de dengue até novembro, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde. Nas primeiras semanas de 2024, mais de 200 mil novos casos já foram identificados, revelando a urgência de contar com uma vacina capaz de conter a disseminação da doença.

A dengue representa atualmente um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil e em diversas regiões tropicais ao redor do mundo. Anualmente, cerca de 100 a 400 milhões de infecções pelo vírus são registradas globalmente. No país, a doença acomete em média 1 milhão de pessoas a cada ano.

Transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti, a dengue provoca sintomas como febre alta, dores no corpo, dor de cabeça, náuseas e manchas vermelhas na pele. A maioria evolui bem após sete a dez dias. Porém, uma minoria desenvolve as formas graves, como a febre hemorrágica ou síndrome do choque da dengue, que podem levar à morte.

Até o momento, não existia uma vacina licenciada contra a doença no Brasil. A candidata desenvolvida pelo Instituto Butantan representa uma alternativa promissora para mudar esse cenário. Ela foi obtida originalmente pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e, desde 2009, foi licenciada ao Butantan para prosseguir seu desenvolvimento clínico e produção local.

O imunizante utiliza uma abordagem inovadora, com os quatro sorotipos do vírus atenuados, ou seja, com capacidade reduzida de causar a doença. Diferentemente de outras vacinas já aprovadas, que exigem duas ou três doses, esse candidato gerou uma robusta proteção com dose única.

Esse regime de dose única é considerado uma grande vantagem, pois permite induzir imunidade na população de forma rápida durante as epidemias, sem a necessidade de reforços. Além disso, facilita alcançar uma alta cobertura vacinal, trazendo benefícios logísticos e econômicos para os serviços de saúde pública.

Os resultados publicados no New England Journal of Medicine são referentes à fase 3 dos ensaios clínicos, conduzidos em 16 centros de pesquisa brasileiros com a participação de mais de 16 mil voluntários entre 2 e 59 anos. O estudo teve início em 2016 e continua em andamento para avaliar a duração da proteção em cinco anos.

Ao longo dos dois primeiros anos, entre os vacinados ocorreram menos casos de dengue do que no grupo controle que recebeu placebo, permitindo calcular a eficácia de 79,6% do imunizante. A proteção foi similar em todas as faixas etárias, com índices sempre acima de 75%.

Outro dado positivo é que a vacina se mostrou segura tanto em pessoas que já haviam contraído dengue previamente quanto naquelas sem infecção prévia. Nas primeiras, a eficácia alcançada foi de 89,2%, enquanto no segundo grupo foi de 73,6%.

A maioria dos efeitos colaterais reportados foi leve, como dor no local da aplicação, dor de cabeça e fadiga. Eventos adversos graves ocorreram em menos de 0,1% dos indivíduos e todos se recuperaram completamente.

De acordo com o pesquisador Esper Kallás, principal investigador do estudo, a publicação na renomada New England Journal of Medicine atesta a qualidade dos ensaios clínicos realizados e representa um reconhecimento internacional do excelente trabalho científico conduzido pelo Instituto Butantan e seus colaboradores.

A candidata a vacina da dengue desenvolvida pelo instituto paulista pode se tornar uma ferramenta valiosa para o controle da doença no Brasil, auxiliando a reduzir de forma expressiva o número de casos e internações a cada ano. Além de evitar gastos para o sistema de saúde, ela trará impactos sociais e econômicos significativos.

Cada surto de dengue afeta a produtividade de trabalhadores e estudantes acometidos pela doença. Em 2019, por exemplo, foram gastos mais de R$ 1,6 bilhão com internações relacionadas à patologia apenas no Sistema Único de Saúde. sem contar os custos indiretos.

Atualmente, a prevenção da dengue baseia-se no controle do mosquito transmissor, uma estratégia insuficiente diante da ampla disseminação do Aedes aegypti no território brasileiro. Por isso, poder contar em breve com uma vacina no Calendário Nacional de Vacinação representará um avanço essencial.

Claro que a imunização não substituirá as medidas de combate ao vetor, mas será uma ferramenta complementar importante dentro de uma abordagem integrada. Somada às melhorias na vigilância epidemiológica e assistência aos pacientes, o cenário da dengue no país pode ser radicalmente transformado.

O Instituto Butantan segue agora nos trâmites finais junto à Anvisa para obter o registro e incorporação da vacina, de modo que ela possa começar a ser aplicada o quanto antes na população brasileira. A expectativa de especialistas é que a vacinação contra a dengue em larga escala já possa ter início em 2025.

Mais de um século após sua fundação para produzir soros contra a peste bubônica, o Butantan mantém seu compromisso histórico com a saúde pública e a autonomia sanitária do Brasil. O instituto tem sido protagonista no enfrentamento a diversas arboviroses como febre amarela, zika e chikungunya. A vacina contra a dengue representa mais um marco dessa trajetória de excelência.

Lucas W. S. de Sousa, Biomédico Microbiologista editor e idealizador da página Microbiologia Clínica Brasil.